João de Deus
João de Deus
(1830 - 1896)
João de Deus nasceu em S. Bartolomeu de Messines, no Algarve, a 8 de Março de 1830 e morreu em Lisboa a 11 de Janeiro de 1896.
Estudou Direito na Universidade de Coimbra, concluindo a sua formatura em 1859. Neste período conviveu com Teófilo Braga e Antero de Quental. Aí desenvolveu a sua capacidade de improvisação poética, por vezes acompanhando à viola variações do cancioneiro popular, sobretudo poemas de sabor popular e sátiras, que os seus amigos se encarregaram de escrever e compilar.
Depois de uma actividade profissional sem relevo como advogado e jornalista foi eleito, em 1869, deputado pelo círculo de Silves e passou a residir em Lisboa.
Em 1869, foi editada a sua primeira colectânea, Flores do Campo. Deve-se a Teófilo Braga esta edição, com o título de Campo de Flores, de uma compilação dos seus textos líricos e satíricos (1893) e dos textos em prosa (Prosas, 1898).
Em 1876, João de Deus envolveu-se nas campanhas de alfabetização, escrevendo a Cartilha Maternal, um novo método de ensino da leitura, que o distinguiu como pedagogo.
Em 1878, no prefácio da terceira edição da Cartilha Maternal e sobre os métodos da instrução, escreveu-se assim:
“Porque razão observamos nós, a cada passo, n'os filhos da indigencia, meramente abandonados á escola da vida, uma irradiação moral, uma viveza rara n'os martyres do ensino primario ?
Ás mães que do coração professam a religião da adoravel innocencia, e até por instincto sabem que em cerebros tão tenros e mimosos todo o cansaço e violencia póde deixar vestigios indeléveis, offerecemos, neste systema profundamente prático, o meio de evitar a seus filhos o flagello da cartilha tradicional”.
O sucesso da Cartilha Maternal foi tão grande que em 1888 as Cortes a adoptaram como método oficial de leitura e João de Deus foi nomeado Comissário Geral do Ensino da Leitura.
Os amigos de João de Deus lançaram em 1882 a "Associação das Escolas Móveis pelo Método de João de Deus".
Em 1895, foi organizada uma grande homenagem ao poeta à qual se associou o Rei D. Carlos. Foi-lhe proposto um título nobiliárquico, que recusou. A Academia Real das Ciências proclamou-o Sócio de Honra.
Em resposta à homenagem de estudantes de todo o país que se dirigiram a sua casa em grande cortejo, João de Deus assomou à varanda e declamou de improviso:
Estas honras e este culto
Bem se podiam prestar
A homens de grande vulto.
Mas a mim, poeta inculto,
Espontâneo, popular...
É deveras singular!
João de Deus morreu em 1896, tendo sido sepultado no Mosteiro dos Jerónimos, honra reservada a um punhado dos mais notáveis portugueses.
Meses depois, quando o seu filho João de Deus Ramos ingressou na Universidade de Coimbra, ao contrário dos hábitos impostos aos caloiros, foi-lhe reservada uma recepção apoteótica com capas pelo chão, só por ser filho do poeta e pedagogo João de Deus.
Deixo-vos com o poema que marcou a minha infância e juventude:
A VIDA
Foi-se-me pouco a pouco amortecendo
a luz que nesta vida me guiava,
olhos fitos na qual até contava
ir os degraus do túmulo descendo.
Em se ela anuviando, em a não vendo,
já se me a luz de tudo anuviava;
despontava ela apenas, despontava
logo em minha alma a luz que ia perdendo.
Alma gémea da minha, e ingénua e pura
como os anjos do céu (se o não sonharam...)
quis mostrar-me que o bem bem pouco dura!
Não sei se me voou, se ma levaram;
nem saiba eu nunca a minha desventura
contar aos que inda em vida não choraram ...
A vida é o dia de hoje,
a vida é ai que mal soa,
a vida é sombra que foge,
a vida é nuvem que voa;
a vida é sonho tão leve
que se desfaz como a neve
e como o fumo se esvai:
A vida dura um momento,
mais leve que o pensamento,
a vida leva-a o vento,
a vida é folha que cai!
A vida é flor na corrente,
a vida é sopro suave,
a vida é estrela cadente,
voa mais leve que a ave:
Nuvem que o vento nos ares,
onda que o vento nos mares
uma após outra lançou,
a vida – pena caída
da asa de ave ferida –
de vale em vale impelida,
a vida o vento a levou!
Sobre João de Deus, a sua lírica e a sua vida. há outras referências.
Como início de procura, sugiro a visita à Associação de Jardins Escolas João de Deus que mantém a sua Casa-Museu em Lisboa junto ao Jardim da Estrela e ao projecto Vercial que editou um CD-ROM que inclui uma versão completa do "Campo de Flores".
José Gomes